A Mensagem de F. Pessoa é um livro curioso. O autor assume-se aí como uma espécie de profeta que, embora a posteriori, vai desvendar o sentido da história nacional; um sentido inimaginável, oculto ao olhar comum e que aponta o futuro como algo grandioso. O livro parece produto de mais um heterónimo pessoano, tal é a distância a que se situa quer da poesia do ortónimo quer da dos três heterónimos mais conhecidos (quanto a temática – caso do pouco ortodoxo Cristianismo – e mesmo estilo). Os seus poemas – que assentam numa leitura gratuita, mistificadora da vida de figuras notáveis da nossa história – são de grande qualidade poética.
Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum: «Bendito seja o Senhor, nosso Deus, que nos deu um sinal (uma mensagem)!», começa o poeta. E é sem dúvida a ele que cabe revelar os indícios desse sinal que Deus disseminou ao longo do passado do país.
A chave principal de que se socorre é o sebastianismo, que vem de mistura com outras influências de carácter ocultista.
A Mensagem organiza-se em três momentos, Brasão, Mar Português e Encoberto, abrindo cada um deles com uma breve expressão latina:
Bellum sine bello (Guerra sem guerra); Possessio maris (Posse do mar) e Pax in Excelsis (Paz nas alturas)[1].
É bem original a leitura que Pessoa faz do Brasão português: campos heráldicos, castelos, quinas, grifo, tudo ele representa como figuras históricas que em si encarnaram por um momento e com uma missão concreta esse sinal que aponta o futuro.
Mar Português, a segunda parte, é uma sucessão mais linear de temas da nossa aventura marítima, mas cabem lá também o Mostrengo (um sucedâneo do Adamastor), Horizonte, Ocidente, Mar Português, e ainda poemas mais esotéricos como Ascensão de Vasco da Gama ou a Prece final.
A revelação da Mensagem atinge o seu cume na terceira parte, O Encoberto, a que o poeta impôs uma divisão tripartida de Os Símbolos, Os Avisos e Os Tempos, tudo em função da vinda de D. Sebastião e do seu Quinto Império. A obra culmina com o poema intitulado Nevoeiro, aquele nevoeiro que antecederá a chegada do Desejado. Este momento é precedido por uma sucessão de poemas ordenados em aproximação gradativa à hierofania que há-de garantir sentido a todo o livro: Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã e, por fim, Nevoeiro.
«É hora!» avisa o vate antes de se despedir, o que faz em latim: Valete, Fratres (Adeus, Irmãos!)
Por muito que se queira valorizar esta mistificação pessoana, fica-se no fim bastante desarmado e ocorrem à nossa memória os versos irónicos do poema Liberdade, que tudo dissolvem em jogo:
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Tanto investimento poético para isto?
[1] A frase de abertura parece ter origem na versão latina do Cântico de Zacarias, ou Benedictus, que se lê no Evangelho de S. Lucas, 1, 67 e ss. No mesmo Evangelho encontra-se também a sugestão de Pax in Excelsis, no canto dos Anjos depois do anúncio aos pastores. Mas há uma inversão face ao texto de origem: lá a paz era anunciada aos homens e a glória, essa é que era «nas alturas».
Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum: «Bendito seja o Senhor, nosso Deus, que nos deu um sinal (uma mensagem)!», começa o poeta. E é sem dúvida a ele que cabe revelar os indícios desse sinal que Deus disseminou ao longo do passado do país.
A chave principal de que se socorre é o sebastianismo, que vem de mistura com outras influências de carácter ocultista.
A Mensagem organiza-se em três momentos, Brasão, Mar Português e Encoberto, abrindo cada um deles com uma breve expressão latina:
Bellum sine bello (Guerra sem guerra); Possessio maris (Posse do mar) e Pax in Excelsis (Paz nas alturas)[1].
É bem original a leitura que Pessoa faz do Brasão português: campos heráldicos, castelos, quinas, grifo, tudo ele representa como figuras históricas que em si encarnaram por um momento e com uma missão concreta esse sinal que aponta o futuro.
Mar Português, a segunda parte, é uma sucessão mais linear de temas da nossa aventura marítima, mas cabem lá também o Mostrengo (um sucedâneo do Adamastor), Horizonte, Ocidente, Mar Português, e ainda poemas mais esotéricos como Ascensão de Vasco da Gama ou a Prece final.
A revelação da Mensagem atinge o seu cume na terceira parte, O Encoberto, a que o poeta impôs uma divisão tripartida de Os Símbolos, Os Avisos e Os Tempos, tudo em função da vinda de D. Sebastião e do seu Quinto Império. A obra culmina com o poema intitulado Nevoeiro, aquele nevoeiro que antecederá a chegada do Desejado. Este momento é precedido por uma sucessão de poemas ordenados em aproximação gradativa à hierofania que há-de garantir sentido a todo o livro: Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã e, por fim, Nevoeiro.
«É hora!» avisa o vate antes de se despedir, o que faz em latim: Valete, Fratres (Adeus, Irmãos!)
Por muito que se queira valorizar esta mistificação pessoana, fica-se no fim bastante desarmado e ocorrem à nossa memória os versos irónicos do poema Liberdade, que tudo dissolvem em jogo:
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Tanto investimento poético para isto?
[1] A frase de abertura parece ter origem na versão latina do Cântico de Zacarias, ou Benedictus, que se lê no Evangelho de S. Lucas, 1, 67 e ss. No mesmo Evangelho encontra-se também a sugestão de Pax in Excelsis, no canto dos Anjos depois do anúncio aos pastores. Mas há uma inversão face ao texto de origem: lá a paz era anunciada aos homens e a glória, essa é que era «nas alturas».
6 comentários:
Meu Caro José Ferreira,
tenho vindo a ler o seu blog. Embora não concorde em grande parte no que é publicado, é louvável que possua um espaço tão seu e tão pessoal.
De qualquer forma, fico, digamos, algo estupefacto com a intolerância e o preconceito que às vezes demonstra. Talvez assuma, neste blog, um heterónimo que não seja essencialmente você, pois ninguém é assim.
Caro Colega José Bettencourt
Começa por me dirigir algumas palavras de apreço, que agradeço, até porque até à data ninguém ou quase ninguém o tinha feito.
Quanto a «intolerância e preconceito», tenho de recusar. O que me parece é que é indispensável lutar contra uma cultura oficial ou oficiosa que, essa sim,assenta em preconceitos e erros muito variados.
eu acho de um preconceito atroz, caro colega José Ferreira, se me permite a intromissão neste seu espaço. Concordo com o colega José Bettencourt e realmente prefiro pensar que ninguém é verdadeiramente assim e que portanto o colega assume esse tal heterónimo.
Não é assim?
Cara Colega Maria Bacelar
Eu cometi um erro na resposta ao José Bettencourt, que foi deixar lá ficar a palavra preconceito, na expressão «erros e preconceitos». De facto eu aborreço essa palavra, pelo seu subjectivismo; as pessoas usam-na para arrumar a ideia que lhe desagrada.
Mas, diga-me, não seria mais correcto que a Colega tivesse assinalado em concreto algum erro? Ou estará mal tudo o que escrevi?
Afinal, eu não incomodo ninguém...
incomoda-me o mundo por existirem colegas que pensam como o senhor.
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