28 abril 2007

OS PALÁCIOS D’«OS LUSÍADAS» (fim)

Os «régios paços» do Samorim

Agora temos um palácio real, não de fantasia. Camões dá-se conta da sua superioridade relativamente ao que havia na Europa:

Já chegam perto, e não [com] passos lentos,
Dos jardins odoríferos fermosos,
Que em si escondem os régios apousentos,
Altos de torres não, mas sumptuosos;
Edificam-se os nobres seus assentos
Por entre os arvoredos deleitosos:
Assi vivem os Reis daquela gente,
No campo e na cidade juntamente.

O palácio esconde-se numa enorme cerca, ao modo oriental. Por isso, como se diz nos dois versos finais, o Samorim atinge um anseio bem nosso contemporâneo, o de viver «no campo e na cidade juntamente», o de ter a liberdade, a comunhão com a natureza, a pureza de ares do campo e as comodidades urbanas.
Atente-se na informação sobre a inexistência das torres, ao contrário do que se passava nas cidades submarinas e na Europa.
Ao modo do que sucedera com as portas das cidades do fundo do oceano, aqui as portas da cerca ostentam painéis historiados que contam a história da Índia na sua ligação ao mundo ocidental pelas intervenções sucessivas de Baco, Semíramis e Alexandre Magno:

Pelos portais da cerca a sutileza
Se enxerga da Dedálea facultade,
Em figuras mostrando, por nobreza,
Da Índia a mais remota antiguidade.
Afiguradas vão com tal viveza
As histórias daquela antiga idade,
Que quem delas tiver notícia inteira,
Pela sombra conhece a verdadeira.

Estava um grande exército, que pisa
A terra Oriental que o Idaspe lava;
Rege-o um capitão de fronte lisa,
Que com frondentes tirsos pelejava
(Por ele edificada estava Nisa
Nas ribeiras do rio que manava),
Tão próprio que, se ali estiver Semele,
Dirá, por certo, que é seu filho aquele.

Mais avante, bebendo, seca o rio
Mui grande multidão da Assíria gente,
Sujeita a feminino senhorio
De ua tão bela como incontinente.
Ali tem, junto ao lado nunca frio,
Esculpido o feroz ginete ardente
Com quem teria o filho competência.
Amor nefando, bruta incontinência!

Daqui mais apartadas, tremulavam
As bandeiras de Grécia gloriosas
(Terceira Monarquia), e sojugavam
Até as águas Gangéticas undosas.
Dum capitão mancebo se guiavam,
De palmas rodeado valerosas,
Que já não de Filipo, mas, sem falta,
De progénie de Júpiter se exalta.

«Inclinai por um pouco a majestade»

Se para o rei de Melinde há «nobres paços», para o Samorim «régios apousentos», que haverá para D. Sebastião a quem o poeta trata tão majestaticamente? Preste-se atenção a estes versos:

Inclinai por um pouco a majestade
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno templo;
Os olhos da real benignidade
Ponde no chão: ...

Como Júpiter, como Neptuno ou Baco, o rei ocupa um lugar superior; é de lá, de um trono, que ele há-de estar atento à oferta do poeta. Mas estará ele só? Não estará antes num palácio com a sua corte? Ou estará numa espécie de anfiteatro, tendo a seu lado as Ninfas do Tejo, a quem antes o poeta se dirigira, e o Povo português o rei que governa e o poema exalta?

O Camões «humilde, baixo e rudo» é um sonhador. Com muita luz, com cristais e diamantes, ouro, pedrarias, riqueza sem limites, fabrica «na fantasia / fantásticas pinturas de alegria» (Canção X).
Estas antíteses de realidade e sonho, com os seus entusiasmos e as suas prostrações, não o afastam do maneirismo, confirmam-no como maneirista...

Sobre as imagens: a de cima representa Goa, não sei se no séc. XVI se XVII, com com as suas casas apalaçadas e remates pontiagudos, à europeia. Camões, pelo contrário, põe em evidência a diferença do palácio do Samorim: «altos de torres não, mas sumptuosos; (...) / assi vivem os Reis daquela gente, / No campo e na cidade juntamente.
A segunda imagem é o conhecido retrato de D. Sebastião por Cristóvão de Morais, de 1571.

26 abril 2007

OS PALÁCIOS D’«OS LUSÍADAS» (3)

Os «cristalinos paços singulares»

Dos paços de Neptuno vamos de imediato para «cristalinos paços singulares» que Vénus preparou na sua «alegre e namorada» (c. X, est. 143) «ínsula divina» (c. IX, est. 21) – que nunca é mencionada como Ilha dos Amores; Tétis, «a quem se humilha / todo o coro das Ninfas e obedece» (c. IX, est. 85) é naturalmente deusa ligada aos mares – e em concreto ao Atlântico, onde certamente possui o «Atlântico tesouro» donde há-de vir a baixela para o festim que vai dar.
Quis a Citereia que:

Ali, com mil refrescos e manjares,
Com vinhos odoríferos e rosas,
Em cristalinos paços singulares,
Fermosos leitos, e elas mais fermosas;
Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperem as Ninfas amorosas,
D' amor feridas, pera lhe entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.

É nesses «paços radiantes / E de metais ornados reluzentes» que vai ter lugar o finíssimo festim de Tétis, com óptimas baixelas, fantásticas iguarias e vinhos, conversas argutas, acompanhamento musical:

Quando as fermosas Ninfas, cos amantes
Pela mão, já conformes e contentes,
Subiam pera os paços radiantes
E de metais ornados reluzentes,
Mandados da Rainha, que abundantes
Mesas d' altos manjares excelentes
Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
Restaurem da cansada natureza.

Ali, em cadeiras ricas, cristalinas,
Se assentam dous e dous, amante e dama;
Noutras, à cabeceira, d' ouro finas,
Está co a bela Deusa o claro Gama.
De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a Egípcia antiga fama,
Se acumulam os pratos de fulvo ouro,
Trazidos lá do Atlântico tesouro.

Os vinhos odoríferos, que acima
Estão não só do Itálico Falerno
Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima
Com todo o ajuntamento sempiterno,
Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
Crespas escumas erguem, que no interno
Coração movem súbita alegria,
Saltando co a mistura d' água fria.

Mil práticas alegres se tocavam;
Risos doces, sutis e argutos ditos,
Que entre um e outro manjar se alevantavam,
Despertando os alegres apetitos;
Músicos instrumentos não faltavam
(Quais, no profundo Reino, os nus espritos
Fizeram descansar da eterna pena)
Cua voz dua angélica Sirena.

Compensa ir daqui dar uma olhadela à Máquina do Mundo, que continua este espaço «divino» de maravilha, pois parece que os Deuses marinhos, que às portas da sua cidade já tinham representações que lembravam altos temas do saber humano e divino, são mais dados a coisas de cultura que os olímpicos. Vejam-se as estrofes iniciais, onde aparecem esmeraldas e rubis e um globo de luz e transparência representa o Universo:

Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfície, claramente.

Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s' ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: – «O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

A Máquina do Mundo é o espectáculo único, divino, presenciado por "olhos corporais".
Nas palavras de A. J. Saraiva, "é um dos supremos sucessos de Camões", "as esferas são transparentes, luminosas, vêem-se todas ao mesmo tempo com igual nitidez; movem-se, e o movimento é perceptível, embora a superfície visível seja sempre igual. Conseguir traduzir isto por meio da "pintura que fala" é atingir um dos cumes da literatura universal."
Esta «pintura que fala» (c. VIII, est. 41) ou descrição, opõe-se à «muda poesia» ou pintura propriamente dita, a que o poeta se refere quando escreve no canto VII est. 76:

...................................mas o intento
Mostrava sempre ter nos singulares
Feitos dos homens que, em retrato breve,
A muda poesia ali descreve.

Sobre a imgem: é de Francisco da Holanda, contemporâneo de Luís de Camões. Esta imagem «futurista» também representa a máquina do mundo.

24 abril 2007

OS PALÁCIOS D'«OS LUSÍADAS» (2)

A «casa etérea do Olimpo omnipotente»

A «casa etérea do Olimpo omnipotente» ou «luzente, / estelífero Pólo e claro assento» deverá ser como que o palácio original, o pai de todos os palácios. Ao chamar-lhe etérea, o poeta localiza-o na quinta-essência, no éter. Mas não se alonga a descrevê-la.
Observe-se que um palácio n’Os Lusíadas não é automaticamente um espaço isolado, à parte. Aqui, antes de se chegar, já se encontra um mundo de maravilha: os Deuses quando se dirigem para o Olimpo pisam «o cristalino Céu fermoso» e «vêm pela Via Láctea juntamente». Mas é quando se reúnem que essa «casa etérea» brilha:

Estava o Padre ali, sublime e dino,
que vibra os feros raios de Vulcano,
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto, severo e soberano;
Do rosto respirava um ar divino,
Que divino tornara um corpo humano;
Com ua coroa e ceptro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.

Júpiter apresenta-se de facto como uma figura imponente, no seu «assento de estrelas cristalino». Quanto aos deuses convocados, ocupam «luzentes assentos, marchetados / de ouro e de perlas»:

Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros Deuses, todos assentados
Como a Razão e a Ordem concertavam.

É um espaço refulgente, verdadeiramente olímpico.
(Porque será que o consílio acaba tão mal, em inqualificável «tumulto»?)


Os «paços de Neptuno»

Não fazendo caso de outros paços sobre que o épico pouquíssima informação dá, passemos já para os de Neptuno e para a cidade submarina onde ficavam.
Entramos num mundo fantástico. As areias são «de prata fina»; há «torres altas» «da transparente massa cristalina»: tudo parece cristal e diamante:

No mais interno fundo das profundas
Cavernas altas, onde o mar se esconde,
Lá donde as ondas saem furibundas
Quando às iras do vento o mar responde,
Neptuno mora e moram as jocundas
Nereidas e outros Deuses do mar, onde
As águas campo deixam às cidades
Que habitam estas húmidas Deidades.

Descobre o fundo nunca descoberto
As areias ali de prata fina;
Torres altas se vêem, no campo aberto,
Da transparente massa cristalina;
Quanto se chegam mais os olhos perto
Tanto menos a vista determina
Se é cristal o que vê, se diamante,
Que assi se mostra claro e radiante.

Repare-se nas esculturas das «portas d' ouro fino» que dão acesso à cidade, onde se evocam o caos, os quatro elementos, a Guerra dos Gigantes «e a primeira / de Minerva pacífica ouliveira»:

As portas d' ouro fino, e marchetadas
Do rico aljôfar que nas conchas nace,
De escultura fermosa estão lavradas,
Na qual do irado Baco a vista pace;
E vê primeiro, em cores variadas,
Do velho Caos a tão confusa face;
Vêm-se os quatro Elementos trasladados,
Em diversos ofícios ocupados.

Ali, sublime, o Fogo estava em cima,
Que em nenhua matéria se sustinha;
Daqui as cousas vivas sempre anima,
Despois que Prometeu furtado o tinha.
Logo após ele, leve se sublima
O invisíbil Ar, que mais asinha
Tomou lugar e, nem por quente ou frio,
Algum deixa no mundo estar vazio.

Estava a Terra em montes, revestida
De verdes ervas e árvores floridas,
Dando pasto diverso e dando vida
Às alimárias nela produzidas.
A clara forma ali estava esculpida
Das Águas, entre a terra desparzidas,
De pescados criando vários modos,
Com seu humor mantendo os corpos todos.

Noutra parte, esculpida estava a guerra
Que tiveram os Deuses cos Gigantes;
Está Tifeu debaixo da alta serra
De Etna, que as flamas lança crepitantes.
Esculpido se vê, ferindo a Terra,
Neptuno, quando as gentes, ignorantes,
Dele o cavalo houveram, e a primeira
De Minerva pacífica ouliveira.

Veja-se agora o ajuntamento divino, já «na grande sala, nobre e divinal» do palácio, quando se vai iniciar o consílio:

Já finalmente todos assentados
Na grande sala, nobre e divinal,
As Deusas em riquíssimos estrados,
Os Deuses em cadeiras de cristal,
Foram todos do Padre agasalhados,
Que co Tebano tinha assento igual;
De fumos enche a casa a rica massa
Que no mar nace e Arábia em cheiro passa.

Decorre então o consílio, que também há-de degenerar em tumulto, como o do Olimpo, e onde Baco será bem sucedido, conseguindo aliados activos contra os Portugueses.

Sobre a imagem: ela representa uma porta italiana com altos-relevos, como as do palácio de Neptuno, que «de escultura fermosa estão lavradas».

23 abril 2007

OS PALÁCIOS D’«OS LUSÍADAS» (1)

Perto do final da canção Vinde cá, meu tão certo secretário, escreve Camões:

Já de mal que me venha não me arredo,
nem bem que me faleça já pretendo,
que para mim não val astúcia humana;
de força soberana
da Providência, enfim, divina pendo.
Isto que cuido e vejo, às vezes tomo
para consolação de tantos danos.
Mas a fraqueza humana, quando lança
os olhos no que corre, e não alcança
senão memória dos passados anos,
as águas que então bebo, e o pão que como,
lágrimas tristes são, que eu nunca domo
senão com fabricar na fantasia
fantásticas pinturas de alegria.

Os Lusíadas, que têm um lastro de lágrimas, globalmente enquadram-se certamente nas fantásticas pinturas de alegria de evasão que o poeta aqui diz fabricar. Os palácios que neles se mencionam ou descrevem são quase sempre sonho, fantasia. É sobre estas fantásticas pinturas que pretendo começar a dizer hoje algumas palavras. Para elas também pediu ele às Tágides o «estilo grandíloco e corrente», oposto ao estilo da Lírica.
Comecemos por nos perguntar que palácios é que Camões conheceria. Ele foi poeta palaciano, frequentou a corte. Conheceria o palácio da Ribeira, o de Sintra, o de Almeirim, o de Évora... Cá em Portugal.
Estes palácios podiam ser de cidade, integrados na malha urbana, ou do campo, isolados. Características eram as suas torres pontiagudas, certamente de imitação estrangeira. Mas não vamos agora investigar isso.

Se se pedisse a um dos leitores escolares d’Os Lusíadas (leitores obrigados) que indicasse qualquer coisa que no poema o tivesse realmente entusiasmado, não imagino que resposta se obteria. Este tema dos palácios quer-me parecer que se poderia tornar facilmente num ponto de partida motivador.
Aos palácios chama o poeta paços, ainda à maneira antiga que era a sua. De modo explícito, menciona seis: os «nobres paços» do rei de Melinde (c. II, est. 91), os «paços sublimados» de Afonso IV, pai da «fermosíssima Maria» (c. III, est. 102), os «paços de Neptuno» (c. VII, est. 14), os «paços» da corte londrina onde decorre o combate dos Doze de Inglaterra, os «régios apousentos» do Samorim (noutra ocasião mencionados como «régios paços») (c. VII, est. 14), os «cristalinos paços singulares» que Vénus prepara na Ilha dos Amores (c. IX, est. 41) e que depois vão ser descritos como «paços radiantes / E de metais ornados reluzentes» (c. X, est. 2).
Mas há mais. A «casa etérea do Olimpo omnipotente» (c. I est. 42) onde decorre o consílio dos Deuses e que no discurso de Júpiter é chamada «luzente, / estelífero Pólo e claro Assento» não será palácio? E como não falar de palácio – nunca referido sequer como casa – a respeito do lugar onde se encontra o «poderoso Rei, cujo alto Império / o Sol, logo em nascendo, vê primeiro, / vê-o também no meio do Hemisfério, / e quando dece o deixa derradeiro» (c. I, est. 8), isto é, da residência de D. Sebastião a quem o épico vai apresentar o seu canto?

Sobre a imagem:
ela representa o Palácio dos Duques de Bragança, em Barcelos, no século de Camões.

20 abril 2007

GOSTAVAS QUE TE FIZESSEM O MESMO?

Continuo a estudar o Memorial do Convento. Mas fico com a impressão de que os seus estudiosos – muitas estudiosas – não apreenderam a lição do autor: fazem dele um herói, quando ele é um destruidor de heróis.
É conhecida aquela anedota infantil em que uma formiga, que tinha sido calcada por um elefante, pergunta muito ofendida: «Gostavas que te fizessem o mesmo?»
Não seria legítimo demolir também a imagem de Saramago, em vez de o mitificar? Mostrar ao menos que o Memorial do Convento assenta principalmente na má vontade contra a Igreja?
Quanto à megalomania subjacente à construção do Convento, convém ter em conta que ele é produto do mesmo absolutismo que ergueu o Palácio de Versalhes, o Escorial e o Ermitage, etc.
O pessimismo e o sarcasmo de Saramago parecem sugerir o abastardamento de toda a sociedade civil e da vida de todos os conventos e mosteiros e do clero não regular naquelas décadas do séc. XVIII. Mas jamais algum historiador pintou assim aquele período. Os documentos não permitem a afirmação de tal enormidade.
Saramago não deixou de mencionar a Inquisição, o que é historicamente aceitável, mesmo que um pouco surpreendente num autor que esteve ao lado de regimes contemporâneos tão inquisitoriais como é bem conhecido e que nunca denunciou (a não ser há alguns anos o regime cubano, que em cerca de 50 anos matou lá para 17.000 mil pessoas)[1].
Durante os três séculos da sua existência, foram mortas à conta da Inquisição portuguesa (a palavra final de morte era dada pelo Rei) um pouco mais que 1.500 pessoas. Importunadas pelo tribunal, foram lá para 32.000 (como consta dos processos). Números assustadores, mas bem pouco significativos se os comparamos com os de regimes recentes (segundo o livro Mao: a História Desconhecida, o fundador da República Popular da China, para obter a bomba atómica, aceitava deixar morrer metade da população do país…).
Durante a vigência do Santo Ofício, o poder civil enforcou muitas pessoas; ainda hoje se conserva memória dos lugares onde então se erguia a forca. Não sei se alguém já tentou fazer as contas, mas sou levado a crer que terão sido mais numerosas as vítimas dos tribunais civis que as da Inquisição (fica a impressão de que não havia concelho que não tivesse possuído a sua forca).
Por muito louco que tenha sido o projecto de D. João V sobre o Convento, por muito desumanas que tenham sido as condições de trabalho ao construí-lo, a verdade é que ele está lá e é duma grandiosidade e duma beleza que impressionam. Isso não é dito no romance que afirma ser o seu memorial.

[1] É conhecido um episódio ocorrido em Agosto de 1975 em que Saramago saneia 24 colegas seus do Diário de Notícias, ao jeito inquisitorial.

19 abril 2007

SEGUNDO ANIVERSÁRIO DA ELEIÇÃO DE BENTO XVI

O Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado do Vaticano, faz um balanço muito positivo do actual pontificado e considera que a China e a América Latina serão as prioridades de Bento XVI no seu terceiro ano como Papa.
Em entrevista à RAI, este responsável assinalou que “Ratzinger imprimiu um estilo que dá continuamente as razões da sua esperança. É um Papa rigoroso e claro, com uma grande capacidade de escuta e capaz de dizer a palavra certa a cada um, como se fosse um seu amigo de sempre”.
O Cardeal Bertone diz mesmo que "se todos os pregadores e catequistas imitassem Bento XVI no anúncio cheio de alegria, convicção e entusiasmo, creio que aumentaria no mundo a curiosidade e a sede de conhecimento, mas também a alegria de ser cristão”. Agência Ecclesia
Como encaixar aqui o tendencioso, o malévolo prognóstico de Saramago de há dois anos quando sentenciou do alto do seu Prémio Nobel: «A Inquisição subiu ao poder»?

17 abril 2007

HOUVE MUITOS VALENTES ANTES DE AGAMEMNÃO

António José Saraiva escreveu uma vez que A. Cunhal, para o seu partido, era como o Papa: ele falava e logo os seus seguidores o repetiam reverentemente. Parece que agora a comparação vale para J. Saramago. Ele diz e imediatamente, sem cuidados críticos, muitos o repetem com devoção.
Mas, como «houve muitos valentes antes de Agamemnão»[1] (Horácio), também houve muitos sábios antes de Saramago. A única atitude respeitadora face a ele – tão altivo e tão afirmativo – é a de exigência crítica. É essa que pretendo agora que vou começar a acompanhar os meus alunos na leitura de o Memorial do Convento.
Vejam-se estas frases, escritas por José Fernandes Pereira, a respeito do mesmo convento, na História da Arte Portuguesa, ed. do Círculo Leitores, 1995, vol. III, págs. 61-62:

No primeiro documento oficial, alvará de Dezembro de 1711, D. João V manda construir «por esmola», em Mafra, um convento dedicado a Santo António que seria entregue à província da Arrábida que disponibilizaria treze religiosos para nele assistirem. (…) os estatutos dos Arrábidos eram muito claros quanto ao modo de aceitar, por esmola, a doação de novos conventos, e também quanto ao programa cons­trutivo: «os Conventos, que se houvessem de aceitar, ordenava que fossem em tudo, e de tudo muito pobres, os materiais de adobes, e as madeiras tos­cas, excepto as da Igreja, e Sacristia, na qual não haveria ornamento de tela, ou seda, senão de lã...». Os Arrábidos foram sempre extremamente zelosos no cumprimento destas disposições que, como se verá, de modo algum fo­ram respeitadas em Mafra.
(…) Por tradição e pelos estatutos, os Arrábidos aceitavam, por esmola, novos conventos desde que fossem os frades a gerir a sua construção que, nenhum caso, poderia fugir de uma tipologia e de um carácter de sim­plicidade e pequenez há muito tipificado. Ora o alvará de 1714 revela sibilinamente que a obra a erguer em Mafra seria régia, controlada desde Lisboa pelo rei e que aos frades competia apenas aceitar o presente, ainda que enve­nenado.
Fá-lo-ão com pouca convicção e após parecer jurídico do arcipreste da Patriarcal de Lisboa, expresso em 1730, e segundo o qual os Arrábidos po­diam sem escrúpulo aceitar obra tão luxuosa para a qual a «Real Magnifi­cência» não tinha sequer que lhes solicitar consentimento.

[1] Vixere fortes ante Agamemnona multi.

16 abril 2007

AS BEM-AVENTURANÇAS SEGUNDO S. LUCAS

Jesus falou frequentemente à multidão. O trecho seguinte reflecte esse tipo de comunicação, pois conserva marcas oratórias bastante nítidas. É a versão das Bem-aventuranças que vem no Evangelho de S. Lucas. Vejamo-la:

Felizes vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus!
Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados!
Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir!
Felizes sereis quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem!
Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu; era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas!
Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação!
Ai de vós, os que agora estais fartos, porque haveis de ter fome!
Ai de vós, os que agora rides, porque vos gemereis e chorareis!
Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas!

Lc 6, 20-26

A primeira observação é esta: ao contrário de S. Mateus, cuja proclamação das Bem-aventuranças é um bloco homogéneo de oito declarações pela positiva, «eufóricas», aqui temos dois blocos: um de quatro bem-aventuranças, outro de outras tantas declarações de infelicidade, imprecações – mal-aventuranças, diríamos.
E trata-se de blocos antitéticos: aos pobres opõem-se os ricos; aos que têm fome contrapõem-se os que «estais fartos», etc. Aliás lá está a habitual conjunção adversativa «mas» a fazer a separação das águas...
Além da antítese, o texto dá grande relevo à anáfora e ao paralelismo. A reunião dos três processos – antítese, anáfora e paralelismo – alerta-nos de imediato para o efeito oratório da proclamação. Indubitavelmente, com esta formulação ela ganha solenidade.
Por outro lado, os mesmos processos lembram-nos textos antigos, como salmos e literatura sapiencial da tradição vétero-testamentária.
Repare-se também no uso da segunda pessoa verbal, da interjeição...
Mas há mais dois processos a relevar. Comecemos pelo paradoxo. Realmente tem muito de paradoxal declarar felizes os pobres ou os que têm fome. Quem de nós desejaria essa felicidade?
O paradoxo é aliás bastante comum em S. Lucas e indica uma orientação importante do terceiro Evangelho: o radicalismo da força transformadora da sua mensagem, que às vezes tem ares modernos de esquerda.
Trata-se de uma orientação muito fácil de ilustrar: no presépio, Jesus não tem a visita de sábios nem de piedosos, mas de pastores, considerados marginais, por não poderem frequentar a sinagoga. Foram esses que Jesus Menino quis como primeira companhia não familiar. Ao filho pródigo que, no seu regresso, se contentava com ser aceite como criado pelo pai, este dá-lhe uma festa (que escandaliza o irmão mais velho). Na Cruz, a um dos ladrões bastam algumas palavras de atenção para com Jesus para que ele lhe garanta que «hoje mesmo» estará consigo no Paraíso – sem passar longo período no Purgatório… –, etc.
Há muita coisa desconcertante, inesperada neste evangelho.
Atentemos ainda num outro processo, especificamente bíblico. Trata-se do que cremos chamar-se a «viragem ao passivo».
«Felizes vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados!» Saciados por quem?
O judeu piedoso, por respeito, evitava pronunciar o nome de Deus: Ele só deveria ocorrer em contexto de muita veneração. E encontravam-se estratagemas para conseguir este objectivo. Certamente um dos mais conhecidos será o que aqui se verifica e que consiste em transpor o verbo para a passiva, sem mencionar o agente, que era identificável pelo contexto. A parte final da frase podíamos traduzi-la assim, na nossa linguagem menos respeitadora do segundo mandamento: «porque Deus vos consolará».

13 abril 2007

«FELIZMENTE HÁ LUAR!»

Esta obra dramática foi publicada em 1961, em pleno período salazarista e no ano em que os movimentos independentistas iniciaram a luta armada nos territórios ultramarinos, pouco tempo após o afastamento de Humberto Delgado.
A sua acção tem uma larga base histórica e reporta-se a uma pouco clara tentativa abortada de conjura contra o poder absolutista que em 1817 dominava o país na ausência do Rei, que se encontrava no Brasil desde 1807.
O pesadelo napoleónico que atormentara a Europa baqueara três anos antes em Waterloo; as monarquias europeias respiravam de alívio e afirmavam o absolutismo.
O herói da peça militara nas fileiras do exército imperial francês.
Como podia ele apesar disso tornar-se o porta-bandeira duma sublevação revolucionária?
Por muitas contradições que a experiência da Revolução Francesa encerrasse, com os seus momentos de terror e a aventura imperialista de Napoleão, a verdade é que um regime absolutista se tornava também facilmente odioso. O nosso atraso era gritante e Portugal vivia uma situação política e económica que não era de molde a deixar ninguém muito sossegado.
Felizmente há luar! é uma obra de influência brechtiana, de teatro épico, de pensamento esquerdista. Na perspectiva do autor, o momento político que se vivia em 1817 teria um paralelismo muito próximo com o de 1961: as prepotências dos governadores mostravam como em espelho as do regime contemporâneo; nas duas épocas havia quem enfrentava o poder.
Neste sentido, a obra é um panfleto anti-regime. Com uma clareza possivelmente excessiva, simplista, ela contém dois grupos de pessoas: o dos bons, vistos como muito bons; e o dos maus, vistos como incorrigível e agressivamente maus.
Deve-se também notar que durante o primeiro acto não há propriamente acção; é um acto feito de conversa, sem conflito, sem confronto. O segundo é mais vivo, conflituoso, mesmo que o inconformismo militante da sua protagonista, Matilde, seja historicamente pouco verosímil; as grandes tiradas quase oratórias com que afronta o Principal Sousa assentam numas ousadias teológicas às vezes pouco consequentes e dificilmente imagináveis numa mulher pouco culta do princípio daquele século. Fr. Diogo quando diz que «se há santos, Gomes Freire é um deles», esquece-se que aquele general aventureiro era mação e que portanto não se confessava; mais, que era um inimigo declarado da Igreja (Igreja que sabia o que a chegada do Liberalismo poderia significar para ela, como depois se verificou).
É preciso mesmo querer dizer bem da obra para não notar estas e outras incoerências.
António José Saraiva fala de escritores, «ditos empenhados», que «se alistavam nesta escola (neo-realista), que era facilmente acessível a um homem mediano que quisesse resgatar-se da sua condição de “burguês” ou de letrado, pelas suas “boas obras”, mesmo sem a graça do mérito gratuito, ou seja, da vocação artística». Parecer ser o caso de Sttau Monteiro, filho de ministro salazarista e corredor de Fórmula 2.
Sobre Freire de Andrade, consulte: http://www.arqnet.pt/exercito/freire.html
Quanto às excelências do teatro brechtiano, é de perguntar em que medida contribuiu ele para libertar os países da Cortina de Ferro do jugo soviético.

Sobre a imagem: é um fragmento dum inventário de 1800 onde foi posteriormente dada baixa das peças que foram para o Junot: Genô na escrita do anotador. Também se diria que foram para o Janota, que é mais ou menos a leitura inglesa do nome Junot, ou «para o Maneta».

03 abril 2007

VIA-SACRA DA BEATA ALEXANDRINA

Coloco aqui a Via-Sacra da Beata Alexandrina. Afinal, é uma especialista da Semana Santa. Podia ter-lhe dado o título de Passos da Cruz, imitando o da série de 14 sonetos de F. Pessoa (14, como as estações da Via-Sacra), mas não paga a pena.
No Sítio Oficial pode-se ver a sua tradução para japonês e se não erro também as suas versões portuguesa, italiana, francesa e inglesa.
A italiana foi feita a partir do português; a japonesa e a portuguesa, a partir do italiano; as restantes a partir da tradução portuguesa. A versão que aqui fica não é tradução: contém as palavras originais da Beata Alexandrina.
Se se pergunta porque é que não se partiu sempre do original português, respondo por mim: eu conheci a
Via-Sacra pela primeira vez através dum desdobrável italiano, publicado em Milão, que traduzi e a partir do qual promovi as outras traduções.
A imagem que junto é, segundo penso, um fragmento do original português a partir do qual foi feita a tradução para italiano. As indicações ao lado esquerdo indicam a procedência das frases, creio que sempre dos
Sentimentos da Alma, a obra maior da Beata.


Prólogo


Ai, quanto custou a Jesus a Sua vida na Terra!
Não foi o Horto e o Calvário sofrimento de umas horas,
Mas sim de toda a vida de Jesus.
Ele crescia em idade e sabedoria,
E nele e com Ele crescia a cruz.
Ele não Se separou dela por um só momento:
Nela crescia, nela sofria,
Mas sempre com sorriso e bondade.


1ª Estação: Jesus é condenado

Pilatos entregou-Lho para ser crucificado, e eles tomaram conta de Jesus
. (Jo 19, 16)

Vi e ouvi a grande multidão
Que a uma só voz, sem se condoer de mim,
Bradava a minha crucifixão.
Os meus ouvidos ouviam, a uma só voz, a palavra:
«Morra! Condene-se!»
Oh, que gritos, os da multidão!
Recebi a sentença de morte.

Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo,
Como era no princípio, agora e sempre! Ámen.


2ª Estação: Jesus recebe a cruz

E Ele, levando a cruz às costas, saiu para o chamado lugar da Caveira, que em hebraico se diz Gólgota. (Jo 19, 17)

Recebi a cruz.
Foi tal o peso que me fez sentir que me infundia no solo.
Não foi a cruz que levei em meus ombros, foi o mundo inteiro.
Poucos amigos... Quase só inimigos.

Glória ao Pai…


3ª Estação: Jesus cai pela primeira vez

Procurei, mas não havia ninguém para me auxiliar.
Fiquei espantado por não haver ninguém para me ajudar
. (Is 63, 5)

Caí com a cruz: ela pesava sobre mim.
Um braço dela caiu-me sobre o peito e feriu-me o coração.
Parecia-me mesmo, mesmo perder a vida.
Perder a vida para dar vidas deu-me forças: voltei a caminhar.

Glória ao Pai…


4ª Estação: Jesus encontra a Mãe

Jesus vê a sua Mãe ali presente. (Jo 19, 26)

Saiu-me ao encontro a Mãezinha.
Fitou-me; eu fitei-a a Ela.
Ia caminhando sempre.
Ela caminhava, guiada pelo olhar
Que Lhe tinha ferido e atraído o coração e a alma.
Eu não arrastava só a cruz: arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor.

Glória ao Pai…


5ª Estação: Jesus é ajudado pelo Cireneu

Quando O iam conduzindo, lançaram mão de um certo Simão de Cirene e carregaram-no com a cruz. (Lc 23, 26)

Ia a cada passo a expirar.
Queriam alguém que levasse a cruz:
Houve quem caminhasse com ela, não por amor, mas por ser mandado.
Mas, mesmo assim, quanto amor senti o meu coração dispensar-lhe!
Foi-me tirada a cruz, mas eu sentia-me como se sempre levasse o seu peso.

Glória ao Pai…



6ª Estação: Jesus encontra a Verónica

Em verdade vos digo, sempre que fizeste isso a um destes mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes. (Mt 25, 40)

Vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida da minha dor.
Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o sangue, o pó!
Como queria que ela fosse falada por este gesto tão heróico!
O meu rosto e o amor do meu coração ficam no pano impressos.

Glória ao Pai…



7ª Estação: Jesus cai segunda vez

Ele entregou a sua vida à morte e foi contado entre os pecadores. (Is 53, 12)

A meado do caminho, foi tão grave a queda
e a descarga de açoites que sobre o meu corpo caíram!
Os lábios abriram-se-me em sangue…
E beijavam a terra na qual me feria.
Os olhos da minha alma estenderam-se pela humanidade.

Glória ao Pai…


8ª Estação: Jesus encontra as santas mulheres

Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, mas chorai por vós mesmas e pelos vossos filhos. (Lc 23, 28)

Seguiam-me algumas mulheres;
choravam amargamente à vista de tantos sofrimentos.
Caminhava e fitava-as com olhar de compaixão.
O coração murmurava-lhes:
«Não choreis por mim, mas por vós;
Chorai as vossas culpas: são a causa das minhas dores».

Glória ao Pai…


9ª Estação: Jesus cai terceira vez

Reduziste-me ao pó da terra, estou cercado por matilhas de cães.
(Sl 22, 16-17)

Era o mundo, era o Céu contra mim! Caí.
Um novo furor me arrastou fortemente e fez bater nas lajes:
Novas fontes de sangue se abriram dos espinhos da minha cabeça!
Mas, mesmo assim, do meu coração só saía amor e compaixão pelos algozes.

Glória ao Pai…


10ª Estação: Jesus é despido

Repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um. (Mc 15, 24)

Ao serem-me tirados os vestidos,
foram tirados com tanta pressa que chegaram a rasgar-me.
Que dores violentas ao irem com eles pedaços de carne!
Ser despido em público!
Foram tantas as risadas de escárnio que ecoavam em todo o Calvário!
Senti logo que a Mãezinha queria com o seu manto cobrir-me.

Glória ao Pai…


11ª Estação: Jesus é crucificado

Foi crucificado com os malfeitores, um à sua direita e outro à sua esquerda. (Lc 23,33)

Estenderam-me na cruz.
Fui eu a deitar-me sobre o madeiro
E a estender as mãos e os pés para ser crucificado:
Era um abraço eterno à cruz, a obra da Redenção.
Que olhares tão enternecidos saíam dos meus olhos a fitarem o firmamento, a movê-lo à compaixão!

Glória ao Pai…


12ª Estação: Jesus morre na cruz

Quando Jesus tomou o vinagre, exclamou: «Tudo está consumado». Depois, inclinou a cabeça e entregou o espírito. (Jo 19, 30)

Fez-se noite no Calvário.
- Pai, perdoai-lhes, que não sabem o que fazem!
- Pai, ó meu Pai, até Tu me abandonas!...
- Meus filhos, tenho sede de vós!
- Minha Mãe, aceita o mundo, que é Teu!
É filho do meu sangue, é filho da tua dor.
- Está tudo consumado!
- Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito:
É para Ti o meu último suspiro

Glória ao Pai…


13ª Estação: Jesus é deposto no regaço da Mãe

E José de Arimateia tomou o corpo e envolveu-o num lençol limpo. (Mt 27,59)

A Mãe, com Ele morto nos Seus braços!
Foi o amor que levou Jesus a dar a vida.
A Mãezinha continua a mesma missão do amor:
A amar-nos como a Jesus.

Glória ao Pai…


14ª Estação: Jesus no sepulcro

José depositou-o num sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. (Lc 23,53)

O amor, unido à graça e à vida divina,
Triunfou na dor, triunfou na morte.

FOI UM SER HUMANO QUE SOFREU,
UMA VIDA DIVINA QUE VENCEU.

Glória ao Pai


Epílogo

Ó Calvário glorioso! Ó cruz de salvação!
O sangue regou a terra:
Um orvalho fecundo, um orvalho de amor.
Ficou o Céu reconciliado com a Terra!
Um som harmonioso encheu o Céu a Terra!