24 abril 2007

OS PALÁCIOS D'«OS LUSÍADAS» (2)

A «casa etérea do Olimpo omnipotente»

A «casa etérea do Olimpo omnipotente» ou «luzente, / estelífero Pólo e claro assento» deverá ser como que o palácio original, o pai de todos os palácios. Ao chamar-lhe etérea, o poeta localiza-o na quinta-essência, no éter. Mas não se alonga a descrevê-la.
Observe-se que um palácio n’Os Lusíadas não é automaticamente um espaço isolado, à parte. Aqui, antes de se chegar, já se encontra um mundo de maravilha: os Deuses quando se dirigem para o Olimpo pisam «o cristalino Céu fermoso» e «vêm pela Via Láctea juntamente». Mas é quando se reúnem que essa «casa etérea» brilha:

Estava o Padre ali, sublime e dino,
que vibra os feros raios de Vulcano,
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto, severo e soberano;
Do rosto respirava um ar divino,
Que divino tornara um corpo humano;
Com ua coroa e ceptro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.

Júpiter apresenta-se de facto como uma figura imponente, no seu «assento de estrelas cristalino». Quanto aos deuses convocados, ocupam «luzentes assentos, marchetados / de ouro e de perlas»:

Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros Deuses, todos assentados
Como a Razão e a Ordem concertavam.

É um espaço refulgente, verdadeiramente olímpico.
(Porque será que o consílio acaba tão mal, em inqualificável «tumulto»?)


Os «paços de Neptuno»

Não fazendo caso de outros paços sobre que o épico pouquíssima informação dá, passemos já para os de Neptuno e para a cidade submarina onde ficavam.
Entramos num mundo fantástico. As areias são «de prata fina»; há «torres altas» «da transparente massa cristalina»: tudo parece cristal e diamante:

No mais interno fundo das profundas
Cavernas altas, onde o mar se esconde,
Lá donde as ondas saem furibundas
Quando às iras do vento o mar responde,
Neptuno mora e moram as jocundas
Nereidas e outros Deuses do mar, onde
As águas campo deixam às cidades
Que habitam estas húmidas Deidades.

Descobre o fundo nunca descoberto
As areias ali de prata fina;
Torres altas se vêem, no campo aberto,
Da transparente massa cristalina;
Quanto se chegam mais os olhos perto
Tanto menos a vista determina
Se é cristal o que vê, se diamante,
Que assi se mostra claro e radiante.

Repare-se nas esculturas das «portas d' ouro fino» que dão acesso à cidade, onde se evocam o caos, os quatro elementos, a Guerra dos Gigantes «e a primeira / de Minerva pacífica ouliveira»:

As portas d' ouro fino, e marchetadas
Do rico aljôfar que nas conchas nace,
De escultura fermosa estão lavradas,
Na qual do irado Baco a vista pace;
E vê primeiro, em cores variadas,
Do velho Caos a tão confusa face;
Vêm-se os quatro Elementos trasladados,
Em diversos ofícios ocupados.

Ali, sublime, o Fogo estava em cima,
Que em nenhua matéria se sustinha;
Daqui as cousas vivas sempre anima,
Despois que Prometeu furtado o tinha.
Logo após ele, leve se sublima
O invisíbil Ar, que mais asinha
Tomou lugar e, nem por quente ou frio,
Algum deixa no mundo estar vazio.

Estava a Terra em montes, revestida
De verdes ervas e árvores floridas,
Dando pasto diverso e dando vida
Às alimárias nela produzidas.
A clara forma ali estava esculpida
Das Águas, entre a terra desparzidas,
De pescados criando vários modos,
Com seu humor mantendo os corpos todos.

Noutra parte, esculpida estava a guerra
Que tiveram os Deuses cos Gigantes;
Está Tifeu debaixo da alta serra
De Etna, que as flamas lança crepitantes.
Esculpido se vê, ferindo a Terra,
Neptuno, quando as gentes, ignorantes,
Dele o cavalo houveram, e a primeira
De Minerva pacífica ouliveira.

Veja-se agora o ajuntamento divino, já «na grande sala, nobre e divinal» do palácio, quando se vai iniciar o consílio:

Já finalmente todos assentados
Na grande sala, nobre e divinal,
As Deusas em riquíssimos estrados,
Os Deuses em cadeiras de cristal,
Foram todos do Padre agasalhados,
Que co Tebano tinha assento igual;
De fumos enche a casa a rica massa
Que no mar nace e Arábia em cheiro passa.

Decorre então o consílio, que também há-de degenerar em tumulto, como o do Olimpo, e onde Baco será bem sucedido, conseguindo aliados activos contra os Portugueses.

Sobre a imagem: ela representa uma porta italiana com altos-relevos, como as do palácio de Neptuno, que «de escultura fermosa estão lavradas».

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