13 abril 2007

«FELIZMENTE HÁ LUAR!»

Esta obra dramática foi publicada em 1961, em pleno período salazarista e no ano em que os movimentos independentistas iniciaram a luta armada nos territórios ultramarinos, pouco tempo após o afastamento de Humberto Delgado.
A sua acção tem uma larga base histórica e reporta-se a uma pouco clara tentativa abortada de conjura contra o poder absolutista que em 1817 dominava o país na ausência do Rei, que se encontrava no Brasil desde 1807.
O pesadelo napoleónico que atormentara a Europa baqueara três anos antes em Waterloo; as monarquias europeias respiravam de alívio e afirmavam o absolutismo.
O herói da peça militara nas fileiras do exército imperial francês.
Como podia ele apesar disso tornar-se o porta-bandeira duma sublevação revolucionária?
Por muitas contradições que a experiência da Revolução Francesa encerrasse, com os seus momentos de terror e a aventura imperialista de Napoleão, a verdade é que um regime absolutista se tornava também facilmente odioso. O nosso atraso era gritante e Portugal vivia uma situação política e económica que não era de molde a deixar ninguém muito sossegado.
Felizmente há luar! é uma obra de influência brechtiana, de teatro épico, de pensamento esquerdista. Na perspectiva do autor, o momento político que se vivia em 1817 teria um paralelismo muito próximo com o de 1961: as prepotências dos governadores mostravam como em espelho as do regime contemporâneo; nas duas épocas havia quem enfrentava o poder.
Neste sentido, a obra é um panfleto anti-regime. Com uma clareza possivelmente excessiva, simplista, ela contém dois grupos de pessoas: o dos bons, vistos como muito bons; e o dos maus, vistos como incorrigível e agressivamente maus.
Deve-se também notar que durante o primeiro acto não há propriamente acção; é um acto feito de conversa, sem conflito, sem confronto. O segundo é mais vivo, conflituoso, mesmo que o inconformismo militante da sua protagonista, Matilde, seja historicamente pouco verosímil; as grandes tiradas quase oratórias com que afronta o Principal Sousa assentam numas ousadias teológicas às vezes pouco consequentes e dificilmente imagináveis numa mulher pouco culta do princípio daquele século. Fr. Diogo quando diz que «se há santos, Gomes Freire é um deles», esquece-se que aquele general aventureiro era mação e que portanto não se confessava; mais, que era um inimigo declarado da Igreja (Igreja que sabia o que a chegada do Liberalismo poderia significar para ela, como depois se verificou).
É preciso mesmo querer dizer bem da obra para não notar estas e outras incoerências.
António José Saraiva fala de escritores, «ditos empenhados», que «se alistavam nesta escola (neo-realista), que era facilmente acessível a um homem mediano que quisesse resgatar-se da sua condição de “burguês” ou de letrado, pelas suas “boas obras”, mesmo sem a graça do mérito gratuito, ou seja, da vocação artística». Parecer ser o caso de Sttau Monteiro, filho de ministro salazarista e corredor de Fórmula 2.
Sobre Freire de Andrade, consulte: http://www.arqnet.pt/exercito/freire.html
Quanto às excelências do teatro brechtiano, é de perguntar em que medida contribuiu ele para libertar os países da Cortina de Ferro do jugo soviético.

Sobre a imagem: é um fragmento dum inventário de 1800 onde foi posteriormente dada baixa das peças que foram para o Junot: Genô na escrita do anotador. Também se diria que foram para o Janota, que é mais ou menos a leitura inglesa do nome Junot, ou «para o Maneta».

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