Continuo a estudar o Memorial do Convento. Mas fico com a impressão de que os seus estudiosos – muitas estudiosas – não apreenderam a lição do autor: fazem dele um herói, quando ele é um destruidor de heróis.
É conhecida aquela anedota infantil em que uma formiga, que tinha sido calcada por um elefante, pergunta muito ofendida: «Gostavas que te fizessem o mesmo?»
Não seria legítimo demolir também a imagem de Saramago, em vez de o mitificar? Mostrar ao menos que o Memorial do Convento assenta principalmente na má vontade contra a Igreja?
Quanto à megalomania subjacente à construção do Convento, convém ter em conta que ele é produto do mesmo absolutismo que ergueu o Palácio de Versalhes, o Escorial e o Ermitage, etc.
O pessimismo e o sarcasmo de Saramago parecem sugerir o abastardamento de toda a sociedade civil e da vida de todos os conventos e mosteiros e do clero não regular naquelas décadas do séc. XVIII. Mas jamais algum historiador pintou assim aquele período. Os documentos não permitem a afirmação de tal enormidade.
Saramago não deixou de mencionar a Inquisição, o que é historicamente aceitável, mesmo que um pouco surpreendente num autor que esteve ao lado de regimes contemporâneos tão inquisitoriais como é bem conhecido e que nunca denunciou (a não ser há alguns anos o regime cubano, que em cerca de 50 anos matou lá para 17.000 mil pessoas)[1].
Durante os três séculos da sua existência, foram mortas à conta da Inquisição portuguesa (a palavra final de morte era dada pelo Rei) um pouco mais que 1.500 pessoas. Importunadas pelo tribunal, foram lá para 32.000 (como consta dos processos). Números assustadores, mas bem pouco significativos se os comparamos com os de regimes recentes (segundo o livro Mao: a História Desconhecida, o fundador da República Popular da China, para obter a bomba atómica, aceitava deixar morrer metade da população do país…).
Durante a vigência do Santo Ofício, o poder civil enforcou muitas pessoas; ainda hoje se conserva memória dos lugares onde então se erguia a forca. Não sei se alguém já tentou fazer as contas, mas sou levado a crer que terão sido mais numerosas as vítimas dos tribunais civis que as da Inquisição (fica a impressão de que não havia concelho que não tivesse possuído a sua forca).
Por muito louco que tenha sido o projecto de D. João V sobre o Convento, por muito desumanas que tenham sido as condições de trabalho ao construí-lo, a verdade é que ele está lá e é duma grandiosidade e duma beleza que impressionam. Isso não é dito no romance que afirma ser o seu memorial.
É conhecida aquela anedota infantil em que uma formiga, que tinha sido calcada por um elefante, pergunta muito ofendida: «Gostavas que te fizessem o mesmo?»
Não seria legítimo demolir também a imagem de Saramago, em vez de o mitificar? Mostrar ao menos que o Memorial do Convento assenta principalmente na má vontade contra a Igreja?
Quanto à megalomania subjacente à construção do Convento, convém ter em conta que ele é produto do mesmo absolutismo que ergueu o Palácio de Versalhes, o Escorial e o Ermitage, etc.
O pessimismo e o sarcasmo de Saramago parecem sugerir o abastardamento de toda a sociedade civil e da vida de todos os conventos e mosteiros e do clero não regular naquelas décadas do séc. XVIII. Mas jamais algum historiador pintou assim aquele período. Os documentos não permitem a afirmação de tal enormidade.
Saramago não deixou de mencionar a Inquisição, o que é historicamente aceitável, mesmo que um pouco surpreendente num autor que esteve ao lado de regimes contemporâneos tão inquisitoriais como é bem conhecido e que nunca denunciou (a não ser há alguns anos o regime cubano, que em cerca de 50 anos matou lá para 17.000 mil pessoas)[1].
Durante os três séculos da sua existência, foram mortas à conta da Inquisição portuguesa (a palavra final de morte era dada pelo Rei) um pouco mais que 1.500 pessoas. Importunadas pelo tribunal, foram lá para 32.000 (como consta dos processos). Números assustadores, mas bem pouco significativos se os comparamos com os de regimes recentes (segundo o livro Mao: a História Desconhecida, o fundador da República Popular da China, para obter a bomba atómica, aceitava deixar morrer metade da população do país…).
Durante a vigência do Santo Ofício, o poder civil enforcou muitas pessoas; ainda hoje se conserva memória dos lugares onde então se erguia a forca. Não sei se alguém já tentou fazer as contas, mas sou levado a crer que terão sido mais numerosas as vítimas dos tribunais civis que as da Inquisição (fica a impressão de que não havia concelho que não tivesse possuído a sua forca).
Por muito louco que tenha sido o projecto de D. João V sobre o Convento, por muito desumanas que tenham sido as condições de trabalho ao construí-lo, a verdade é que ele está lá e é duma grandiosidade e duma beleza que impressionam. Isso não é dito no romance que afirma ser o seu memorial.
[1] É conhecido um episódio ocorrido em Agosto de 1975 em que Saramago saneia 24 colegas seus do Diário de Notícias, ao jeito inquisitorial.
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