23 abril 2007

OS PALÁCIOS D’«OS LUSÍADAS» (1)

Perto do final da canção Vinde cá, meu tão certo secretário, escreve Camões:

Já de mal que me venha não me arredo,
nem bem que me faleça já pretendo,
que para mim não val astúcia humana;
de força soberana
da Providência, enfim, divina pendo.
Isto que cuido e vejo, às vezes tomo
para consolação de tantos danos.
Mas a fraqueza humana, quando lança
os olhos no que corre, e não alcança
senão memória dos passados anos,
as águas que então bebo, e o pão que como,
lágrimas tristes são, que eu nunca domo
senão com fabricar na fantasia
fantásticas pinturas de alegria.

Os Lusíadas, que têm um lastro de lágrimas, globalmente enquadram-se certamente nas fantásticas pinturas de alegria de evasão que o poeta aqui diz fabricar. Os palácios que neles se mencionam ou descrevem são quase sempre sonho, fantasia. É sobre estas fantásticas pinturas que pretendo começar a dizer hoje algumas palavras. Para elas também pediu ele às Tágides o «estilo grandíloco e corrente», oposto ao estilo da Lírica.
Comecemos por nos perguntar que palácios é que Camões conheceria. Ele foi poeta palaciano, frequentou a corte. Conheceria o palácio da Ribeira, o de Sintra, o de Almeirim, o de Évora... Cá em Portugal.
Estes palácios podiam ser de cidade, integrados na malha urbana, ou do campo, isolados. Características eram as suas torres pontiagudas, certamente de imitação estrangeira. Mas não vamos agora investigar isso.

Se se pedisse a um dos leitores escolares d’Os Lusíadas (leitores obrigados) que indicasse qualquer coisa que no poema o tivesse realmente entusiasmado, não imagino que resposta se obteria. Este tema dos palácios quer-me parecer que se poderia tornar facilmente num ponto de partida motivador.
Aos palácios chama o poeta paços, ainda à maneira antiga que era a sua. De modo explícito, menciona seis: os «nobres paços» do rei de Melinde (c. II, est. 91), os «paços sublimados» de Afonso IV, pai da «fermosíssima Maria» (c. III, est. 102), os «paços de Neptuno» (c. VII, est. 14), os «paços» da corte londrina onde decorre o combate dos Doze de Inglaterra, os «régios apousentos» do Samorim (noutra ocasião mencionados como «régios paços») (c. VII, est. 14), os «cristalinos paços singulares» que Vénus prepara na Ilha dos Amores (c. IX, est. 41) e que depois vão ser descritos como «paços radiantes / E de metais ornados reluzentes» (c. X, est. 2).
Mas há mais. A «casa etérea do Olimpo omnipotente» (c. I est. 42) onde decorre o consílio dos Deuses e que no discurso de Júpiter é chamada «luzente, / estelífero Pólo e claro Assento» não será palácio? E como não falar de palácio – nunca referido sequer como casa – a respeito do lugar onde se encontra o «poderoso Rei, cujo alto Império / o Sol, logo em nascendo, vê primeiro, / vê-o também no meio do Hemisfério, / e quando dece o deixa derradeiro» (c. I, est. 8), isto é, da residência de D. Sebastião a quem o épico vai apresentar o seu canto?

Sobre a imagem:
ela representa o Palácio dos Duques de Bragança, em Barcelos, no século de Camões.

Sem comentários: