17 abril 2007

HOUVE MUITOS VALENTES ANTES DE AGAMEMNÃO

António José Saraiva escreveu uma vez que A. Cunhal, para o seu partido, era como o Papa: ele falava e logo os seus seguidores o repetiam reverentemente. Parece que agora a comparação vale para J. Saramago. Ele diz e imediatamente, sem cuidados críticos, muitos o repetem com devoção.
Mas, como «houve muitos valentes antes de Agamemnão»[1] (Horácio), também houve muitos sábios antes de Saramago. A única atitude respeitadora face a ele – tão altivo e tão afirmativo – é a de exigência crítica. É essa que pretendo agora que vou começar a acompanhar os meus alunos na leitura de o Memorial do Convento.
Vejam-se estas frases, escritas por José Fernandes Pereira, a respeito do mesmo convento, na História da Arte Portuguesa, ed. do Círculo Leitores, 1995, vol. III, págs. 61-62:

No primeiro documento oficial, alvará de Dezembro de 1711, D. João V manda construir «por esmola», em Mafra, um convento dedicado a Santo António que seria entregue à província da Arrábida que disponibilizaria treze religiosos para nele assistirem. (…) os estatutos dos Arrábidos eram muito claros quanto ao modo de aceitar, por esmola, a doação de novos conventos, e também quanto ao programa cons­trutivo: «os Conventos, que se houvessem de aceitar, ordenava que fossem em tudo, e de tudo muito pobres, os materiais de adobes, e as madeiras tos­cas, excepto as da Igreja, e Sacristia, na qual não haveria ornamento de tela, ou seda, senão de lã...». Os Arrábidos foram sempre extremamente zelosos no cumprimento destas disposições que, como se verá, de modo algum fo­ram respeitadas em Mafra.
(…) Por tradição e pelos estatutos, os Arrábidos aceitavam, por esmola, novos conventos desde que fossem os frades a gerir a sua construção que, nenhum caso, poderia fugir de uma tipologia e de um carácter de sim­plicidade e pequenez há muito tipificado. Ora o alvará de 1714 revela sibilinamente que a obra a erguer em Mafra seria régia, controlada desde Lisboa pelo rei e que aos frades competia apenas aceitar o presente, ainda que enve­nenado.
Fá-lo-ão com pouca convicção e após parecer jurídico do arcipreste da Patriarcal de Lisboa, expresso em 1730, e segundo o qual os Arrábidos po­diam sem escrúpulo aceitar obra tão luxuosa para a qual a «Real Magnifi­cência» não tinha sequer que lhes solicitar consentimento.

[1] Vixere fortes ante Agamemnona multi.

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