19 março 2007

FRIVOLIDADE

Acho muito curiosa a quantidade de teatros que existia na Palestina ao tempo de Jesus Cristo. Havia-os pelo menos em Cesareia Marítima, em Bet-Shean, na Samaria e em Jerusalém (sobre estas cidades, informe-se neste vasto site: http://www.bibleplaces.com/index.htm). E se passássemos para o outro lado do Jordão havia logo o de Gerasa (a «Pompeia do Oriente») e outros.
Que levaria as autoridades do tempo a erguer tão dispendiosos equipamentos de cultura, como hoje lhes chamaríamos? Verdadeiramente, não sei. É possível que os livros de Flávio Josefo esclareçam isto, mas nunca tive tempo para os ler a eito (veja-os aqui em inglês: http://members.aol.com/fljosephus/works.htm). Mas não me custaria muito a crer que se tratasse de monumentos à frivolidade.
Nos Evangelhos estes teatros nunca são mencionados. Mas talvez se encontrem lá alguns indícios deles.
Quando Jesus chama hipócritas aos fariseus, e fá-lo frequentemente, está a chamar-lhes (ao menos segundo o texto grego) actores, farsantes, que é o que a palavra quer dizer na origem.
Mas vejam-se também estas suas palavras:

A quem, pois, compararei os homens desta geração? A quem são semelhantes?
Assemelham-se a crianças que, sentados na praça, se interpelam umas às outras:

«Tocámos flauta para vós e não dançastes!
Entoámos lamentações, e não chorastes!» Lc 7, 31-32

Estas crianças, pelo menos assim parece, estão representar. Estarão a imitar actores?
No mundo romano são conhecidos dois textos famosos, embora de datas posteriores, em que se associam os espectáculos cénicos à frivolidade, à alienação – como hoje acontece na televisão, principalmente.
O mais célebre é de Juvenal. Escreve ele:

... [populus Romanus] qui dabat olim
imperium, fasces, legiones, omnia, nunc se
continet atque duas tantum res anxius optat,
panem et circenses.

Em português:

... [o povo romano] que noutro tempo distribuía o poder, a administração, as legiões, tudo, agora, voltado para si, deseja só duas coisas, pão e espectáculos.
(
Sátiras, 10, 78-81)

O segundo é de Plínio, o Moço, que se encontra em Roma e aproveitava o tempo para trabalhar. Numa carta, explica como consegue concentrar-se:

"Quemadmodum" inquis "in urbe potuisti?" Circenses erant, quo genere spectaculi ne levissime quidem teneor. Nihil novum, nihil varium, nihil, quod non semel spectasse sufficiat.

Em português:

- Como pudestes fazer isso em Roma? – perguntas. – Havia jogos de circo e nada me atrai para esse género de espectáculos. Não há neles nada de novo, nada de original, nada que não baste vê-los uma única vez.

Já se pensaria mais ou menos assim na Palestina do tempo de Jesus? Sendo os teatros foco de cultura helenística, pagã, é natural que a atitude mais divulgada fosse de franca recusa, como afrontamento ao culto do Deus único.

Imagens: a de cima representa o teatro de Cesareia Marítima, a de baixo o de Bet Shean.

Sem comentários: