24 março 2007

MANUEL DE SÁ

Aqui onde eu vivo, houve no século XVI várias pessoas importantes; uma delas foi um jesuíta, de nome Manuel de Sá. Eu coloquei uma breve biografia dele na Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_de_S%C3%A1), mas vou acrescentar aqui algo mais.
Manuel de Sá nasceu em 1528 (é portanto três, quatro anos mais novo que Camões), e morreu em 1596, nos arredores de Milão, Itália (Camões tinha morrido dezasseis anos antes). Entrou para os Jesuítas com dezassete anos. A Companhia de Jesus estava então no seu explosivo início; tinha sido fundada em 1540, mas já reuniria em 1545 centenas de membros.
Depois de estudar em Coimbra, foi Manuel de Sá para a Espanha, para a província de Valência, mais em concreto, para Gandia. Com dezanove anos (1547), começa a ensinar Filosofia na Universidade local, que fora fundação do Duque de Gandia – duque que virá a ser S. Francisco de Borja. Manuel de Sá foi professor particular deste Santo e acompanhou-o a Roma em 1550-51.
Regressado a Espanha, passou este vilacondense para Alcalá de Henares, para uma universidade que havia de ser conceituadíssima e ficava nas proximidades de Madrid (é conhecida também como Universidade Complutense).
«Chamado por Santo Inácio de Loiola a Roma, aí começou a sua brilhante carreira de professor de Teologia e de Sagrada Escritura no Colégio Romano, onde foi também prefeito dos estudos» (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira).
«Foi um dos correctores designados por S. Pio V a fim de preparar uma revisão oficial da Vulgata (a tradução latina da Bíblia por S. Jerónimo), e no pontificado de Gregório III fez parte da comissão da qual saiu a edição dos Setenta por Sisto V» (ibidem).
Estava-se no período da Contra-Reforma e do Concílio de Trento; havia uma necessidade acrescida de ser científico. Chama-se Vulgata à tradução da Bíblia para latim feita por S. Jerónimo no séc. IV. Os Setenta são uma tradução do Antigo Testamento para grego realizada ainda antes da nossa era.
Manuel de Sá escreveu em latim as suas obras; as citações que dele faço, traduzi-as. No início das Notationes, explana o autor a utilidade do seu livro:

1. Explicam, de um modo muito breve, toda a Escritura, segundo o sentido literal; e, que eu saiba, tal nunca tinha sido feito antes. Alguém dedica enormes volumes a cada um dos livros da Escritura; nós, como se vê, seguimos caminho muito diferente.
2. Trazem várias citações do hebraico, do aramaico e dos Setenta, o que também é novo e muito valoriza a nossa edição.
3. Podem ser impressas num livro independente, mesmo num pequeno volume, como as escrevemos. Quem é que, não tendo consigo a Bíblia Sagrada, de modo a poder consultá-la rapidamente, ou antes, quando a lê, pode apresentar tais Anotações?
4. Elas podem ser impressas com a Bíblia, ao modo das que fez Vatablus, e que mereceram grande aceitação, embora não expliquem o nosso texto mas não sei que edição hebraica.
5. Acrescentámos no fim do livro explicações de todas as expressões usadas na Vulgata, que trazem grande luz ao entendimento de toda a Escritura.
6. Acrescentámos também um copioso índice, mas ao mesmo tempo breve, como é nosso hábito, onde cada um pode encontrar facilmente quase tudo o que quer.
7. Preparámos ainda um segundo índice, por ordem alfabética, de frases selectas da Escritura, que pode substituir a concordância; contém quase tudo o que pode ser usado nos sermões, nas citações e nas meditações.

Os Aforismos, dedica-os a Nossa Senhora nos seguintes termos:

Publiquei há pouco, em nome do vosso Filho, ó Virgem Santíssima, as Anotações a toda a Sagrada Escritura; não encontrei ninguém a quem com mais vantagem pudesse dedicar o livro. Mas, depois do Filho de Deus, a quem dedicaria esta obra senão à Mãe de Deus?
Aceitai, pois, ó Sacrário da Sabedoria divina, este livrinho ordenado com frases de sábios ilustres e guardai-o com a Vossa protecção; promovei-o, para que ajude à salvação eterna de muitos.
Ámen.


É muito elucidativo, para medir a importância de Manuel de Sá, ver o que se passou com as edições das suas obras:
Os Escólios aos Quatro Evangelhos (Scholia in quatuor Evangelia, ex selectis Doctorum sacrorum sententiis collecta. Per R. P. Emanuelem Sa, Doctorem Theologum Societatis Iesu. Addita et quaedam ab eodam Auctore) saíram «Ex officina Plantiniana, Apud Viudam, et Ioannem Moretum», em Antuérpia, em 1596.
Tiveram reedições em Lião, 1602, 1610 e 1620; Veneza, 1602; Colónia, 1612 e 1620.
As Anotações a toda a Sagrada Escritura (Notationes in totam Scripturam Sacram, Quibus omnia fere loca difficiliora breuissime explicantur; tum variae ex Hebraeo, Chaldaeo et Graeco lectiones indicantur. Opus omnibus Scripturae studiosis utilissimum, certe a plurimis diu multumque desideratum), foram editadas em 1598.
Tiveram reedições em Lião, 1601, 1609; Mogúncia, 1610; e Colónia, 1610, 1620.
Os Aforismos dos Confessores (Aphorismi Confessariorum ex Doctorum sententiis collecti) foram editados em Veneza, em 1595, e tiveram numerosas edições nos 15 anos seguintes.
Dos muitos elogios que são feitos a Manuel de Sá, veja-se este na sua linguagem espanhola e barroca, que acentua a ideia da simplicidade e profundidade dos seus escritos:

De rara viveza de ingenio, como reconoce hoy el orbe literario, la abundancia fértil de doctrina y de discurso, la concisión de voces en estilo elegante y claro, tan sucinto y tan puro como su apellido; cada sentencia y aun cada palabra un diamante con muchos bril­los y mucho fondo en poco cuerpo, merecie­ron que le comparase la elocuencia a la inmensidad profunda del río Marañón en aquel sitio donde estrecha toda la presunción, y majestad de casi ochenta leguas de boca a tan breve arre­batado distrito, que casi se puede avanzar de un salto hallando-se en el la profundidad sin latitud. (Cienfuegos)

Ou este em latim, em que se declara que é perito em três línguas (hebraico, grego e latim) e que se aplicou à correcção da edição dos Setenta:

Trium linguarum peritus in adornandam Romanam Septuaginta editionem operam suam contulit.

Sobre as imagens: a de cima é o rosto das Notationes; a do meio, uma edição dos Scholia; a do baixo, uma dedicatória do autor a S. Francisco de Borja.

Sem comentários: