26 março 2007

INDEFINITIVO

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Álvaro de Campos


Indefinitivo não é palavra dicionarizada, mas é gramaticalmente bem formada: como há definido e definitivo, ao lado de indefinido também podia haver indefinitivo.
O que quero dizer é que o que a seguir vou escrever sobre a Mensagem de Fernando Pessoa precisa de mais meditação e fundamentação: não é definitivo.
Quando o autor afirma – e ele não é peco a afirmar – que «o mito é o nada que é tudo», provavelmente estará muito próximo dum pensamento como o que Eça de Queirós expõe na Relíquia sobre a ressurreição de Jesus Cristo. Se eu me lembro bem do que lá diz, e certamente lembro-me aproximadamente, ele pretende fazer crer que a afirmação da ressurreição assenta só na histeria de Maria Madalena, que não tem base nenhuma de realidade, e que, apesar disso, com ela se criou uma civilização de 2000 anos.
É claro que isto é falso. Mas adiante, que não vem muito para o caso esmiuçar aqui essa falsidade.
Quando Pessoa quer que se divulgue intensamente o mito do sebastianismo, o que de facto ele pretenderá é fundar a Religião do Encoberto.
Mas tudo isto começa mal: quem lhe revelou o «sinal» (Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum) que devia dar garantia a toda a sua profecia de novo Bandarra? Sabendo ele que D. Sebastião, o seu «messias», nunca vai voltar, que descaramento é o dele ao tecer toda a urdidura do seu texto? Que história do futuro é esta que quer contar? Que clavis prophetarum lhe abriu as portas visionárias?
No Evangelho de S. João, Jesus diz uma vez: «Ainda não chegou a minha hora». Mas havia de chegar: a hora da consumação da redenção, a hora em que brilhou o amor sem limites de Deus, quando o Filho Se entregou por aqueles que O crucificavam.
Na Mensagem, que tem muito de blasfemo, proclama o poeta no poema Nevoeiro: «É hora!» Mas não era, porque não aconteceu nada
Diz Pessoa que o Império Português do séc. XVI era como «ante-arremedo» do Quinto Império que havia de vir. Se calhar, já o P.e António Vieira, que tinha costela de louco, dissera coisas semelhantes. Mas já eram falsas na altura e agora ainda o eram mais claramente.
Este modo de falar (o autêntico, não a sua deturpação), se me não engano, tem origem em S. Paulo: é ele que ensina que certos acontecimentos vétero-testamentários eram figura do que havia de acontecer com Cristo. Por exemplo, a passagem do Mar Vermelho, com a consequente libertação do povo hebreu, é figura da redenção; o sacrifício (não consumado) de Isaac aponta para o de Cristo, etc. Parece que nasce daqui o «ante-arremedo» pessoano.
O Quinto Império seria o «Novo Céu e a Nova Terra» de que fala o Apocalipse
Aonde nós chegámos!

«Ó Verdade, esquece-te de mim!», escreveu Álvaro de Campos no Demogorgon.
É caso para corrigir:
Ó Verdade, lembra-te de nós!

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