12 março 2007

O MEU 25 DE ABRIL

No dia 25 de Abril de 1974 eu vestia a farda militar na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Estava lá desde há alguns meses.
Pude por isso saber bastante de perto o que foi o golpe de estado que depôs Marcelo Caetano, e que teve razões principalmente profissionais. Ao longo da restante parte daquele ano e sobretudo do seguinte, a situação alterou-se. Digamos que o golpe de estado inicial virou revolução de esquerda.
Eu, que tinha entrado para a faculdade em 1968 e que por isso acompanhei os ecos da agitação que corria a Europa (passei o Agosto de 1971 em Francforte, mas a trabalhar na construção civil), acompanhei também quer a agitação que precedeu mais à distância o 25 de Abril, quer aquela que lhe foi mais próxima. Nunca estive porém espacialmente muito perto dos centros mais efervescentes, que seriam certamente Lisboa e Coimbra.
Deixando para trás tudo o resto, vou agora dizer algumas palavras sobre o tempo que passei em Mafra.
Naquele curso de oficiais milicianos havia gente de muito variada procedência; mas essa diversidade de procedência geográfica não significava acentuada diversidade ideológica, pois predominava uma aceitação, nem sempre certamente muito consciente, do pensamento contestatário em voga. A mim (e a alguns mais) porém tal pensamento pouco me dizia. Eu tinha o meu caminho e, desde que me não importunassem, também não importunava os outros.
Mas fui importunado, por diversas vezes e até de diversas formas. Recordo-me que houve na altura vários levantamentos de rancho – creio que era assim que se dizia. Fui sempre obrigado a alinhar com os contestatários. Ora sempre tomei muito a mal essa violência feita à minha liberdade: achava que devia ser dada a todos a oportunidade de decidir sem constrangimentos.
Recordo um outro episódio dessas humilhações, que igualmente me marcou: estava-se aí por Novembro, e já tinha regressado do tirocínio em Angola. Pois nessa altura coube a um pequeno grupo em que fui integrado fazer uma «sessão de esclarecimento» algures em Mafra ou arredores. Fomos uma meia dúzia, ou talvez mais, de oficiais milicianos: todos disseram o que bem lhes pareceu, mas eu fui impedido de falar.
Era esta a democracia deles, irmã da de qualquer tiranete. E ainda para mais eu tinha uma preparação filosófica escolar que nenhum deles possuía.
Mas como eles diziam quando lhes convinha: «Não há machado que corte / A raiz ao pensamento». E por isso eu continuei a pensar. E não me tenho dado mal com isso: já publiquei mais de duas centenas de artigos em diversos jornais, fiz umas duas dezenas de palestras, tenho tido intervenções radiofónicas mais ou menos regulares, mas com uma aceitação que me dizem garantida, dos livros que escrevi alguns tiveram segunda edição, etc.
Há um verso do Lisbon Revisited (1923) de Álvaro de Campos que me ocorre aqui: «Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!»

Veja-se ainda isto:

A fotografia acima representa galilé da Basília de Mafra.

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