18 março 2007

JAMAIS ALGUÉM FALOU ASSIM!

Um dia o Sinédrio, o órgão máximo da autoridade do Templo de Jerusalém e também a autoridade judia máxima, mandou os seus guardas prender Jesus. Eles foram, mas não O prenderam. Justificaram-se dizendo que «jamais alguém falou assim» (Jo 7, 46).
Não é difícil deduzir que Jesus Cristo fosse um excelente comunicador, que se exprimia muito bem. Um líder, como Ele foi, que usava principalmente o recurso da palavra para mobilizar as multidões que atraía a Si, tinha de saber servir-Se bem dela. E eram milhares de pessoas, ao menos em certos momentos do seu ensino. Vinham de longe, fazendo custosas caminhadas a pé. E permaneciam junto dele dias seguidos.
Ouçamos um texto evangélico de grande efeito oratório:

Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento?
Que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas finas? Os que usam trajes sumptuosos vivem regaladamente e estão nos palácios dos reis.
Que fostes ver, então? Um profeta? Sim, Eu vo-lo digo, e mais do que um profeta. É aquele de quem está escrito:
Vou mandar à tua frente o meu mensageiro;
que preparará o caminho diante de ti.
Digo-vos: Entre os nascidos de mulher, não há profeta maior do que João, mas o mais pequeno no Reino de Deus é maior do que ele.
Lc 7, 24-28

Temos aqui um singular elogio a João Baptista – o elogio é quase um lugar-comum da oratória.
O início da citação é constituído por três segmentos bastante paralelos, onde a interrogação retórica ocorre seis vezes.
Mas em cada segmento a segunda interrogação funciona também como resposta à primeira. Assim: «Que fostes ver ao deserto?» Resposta (hipotética): «uma cana agitada pelo vento»...
Há aqui um processo afim das chamadas réplicas e tréplicas: Jesus imagina uma resposta, a réplica, e argumenta contra (tréplica).
Mas esta sequência de interrogações destina-se a criar a expectativa, a fazer mistério, para a revelação que vem a seguir e que esclarece o sentido da pessoa do Baptista.
Por duas vezes, Jesus assume a sua autoridade verdadeiramente oracular («Eu vo-o digo», «Digo-vos»); na segunda vez, recorrendo a um jogo de palavras, quase um paradoxo («o mais pequeno … é o maior»), vai mais longe que a citação de Isaías.
É sem dúvida um texto retoricamente rico, que se repete quase ipsis verbis em Mateus (Mt 11, 7-12).
A alusão aos palácios dos reis faria certamente um efeito que nos pode escapar, pois que o Baptista não pregava longe de Jericó, onde Herodes o Grande mandara levantar três palácios. Quanto às canas agitadas pelo vento, pelos vistos ainda hoje se vêem por lá canaviais.
Repare-se no resultado produzido pela alocução:

E todo o povo que O escutou, bem como os cobradores de impostos, reconheceram a justiça de Deus, recebendo o baptismo de João. Mas, não se deixando baptizar por ele, os fariseus e os doutores da Lei anularam os desígnios de Deus a seu respeito.
Lc 7, 29-30

Estão aqui os pobres – o povo –, mesmo os cobradores de impostos, tidos por marginais, mas que aceitam a mensagem de Jesus Cristo, e os que têm poder – os doutores da Lei e os fariseus que a rejeitam.

A imagem representa a Pregação de S. João Baptista, de Diogo de Contreiras, pintor maneirista português do séc. XVI.

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