31 março 2007

O JEJUM DA BEATA ALEXANDRINA NA IMPRENSA DO SEU TEMPO

Um dia, numa página da Internet, eu fui humilhado por causa dumas afirmações que fiz sobre a Beata Alexandrina. Recordo-me que então se falou do jejum. Embora eu soubesse que estava a dizer a verdade, não dispunha na altura de modo de provar irrefutavelmente o que afirmava. Hoje é diferente.
O seu jejum é um desafio lançado à nossa mentalidade que valoriza o facto objectivo e inapelável; mas é extraordinário e verdadeiro.
O nome da Alexandrina aparece na imprensa pela primeira vez em 1941, pela mão do P.e José Alves Terças, com a reportagem sobre «A Martirizada do Calvário».
Em meados de 1944, foi posto nas bocas do mundo quando foi divulgada a infeliz nota dimanada da Cúria bracarense que negava que houvesse alguma coisa de extraordinário, isto é, de sobrenatural, no que àquela «martirizada» dizia respeito.
Em Janeiro de 1947, uma alusão desprimorosa à Alexandrina num artigo do P.e José Agostinho Veloso saído na Brotéria, com o título de «Mística e Jornalismo», levou o Dr. Azevedo a ripostar-lhe n’O Comércio do Porto, em Fevereiro, sob o título de «Resposta a uma frase da revista “Brotéria”».

Uma reportagem do Jornal de Notícias

No final do ano, em 4 de Novembro, o Jornal do Notícias faz sair uma reportagem com este título bem sugestivo: «Uma mulher que não come nem bebe há seis anos e vive perfeitamente». Sem assinatura, o trabalho é provavelmente da responsabilidade do director do diário; integra-o uma breve entrevista à Alexandrina e fotografia do exterior da sua casa. O autor adopta uma atitude respeitosa, embora deixe transparecer algumas reservas, por cautela.
Veja-se este belo retrato que faz da Doente do Calvário:

A Alexandrina, de sorriso aberto, espera talvez que lhe dirijamos a palavra. O rosto é sobre o comprido, a boca rasgada, a pele branca, um tudo-nada rosada. Seus olhos são pretos, duma luz brilhante, e os cabelos, também negros, emolduram-lhe a fisionomia numa expressão de simpatia desafectada; tem 43 anos, mas não figura mais que 33.

E agora a entrevista:

- Disseram-nos que não se alimenta.
- É verdade. Deixei de comer e de beber há seis anos.
- Mas não tem apetite?
- Estou sempre enfartada.
- Repugnam-lhe os alimentos?
- Não. Por vezes sinto até saudades deles.
- Então porque não aproveita essas ocasiões para tentar uma alimentação ligeira?
- Não posso. Sinto-me bem.
- Mesmo bem?
- É como quem diz: Passo bem, passando mal.
- Há que tempo está doente?
- Trinta anos. Só há 13 é que tive a primeira grande crise. Dessa vez, torturada pelo vómito, sofri um jejum de 17 dias. Vieram depois outras crises, menos prolongadas. Quando elas passavam, voltava a comer. Por fim, quase só o comia fruta. Mas há seis anos veio a crise definitiva. Então deixei os alimentos por completo.
- O seu aspecto não deixa perceber isso.
- Cada um sabe de si. Compreendo que a minha doença tem despertado curiosidade e murmurações. Aflige-me que tal suceda: desejaria que não se preocupassem comigo. De mim já se tem falado demais. Se estivesse no meu poder, metia-me num buraco.
A Alexandrina fala porém sem aborrecimentos – fala naturalmente, dizendo o que sente. Essa simplicidade é transparente. Sofre, por certo, mas resiste com alegria, couraçada por uma decidida força espiritual, a sua fé.
Insistimos no interrogatório:
- E os médicos?
- Os médicos – não dizem nada. Todas as semanas vem aqui o Sr. Dr. Azevedo, mas não me receita remédios. Há cinco anos estive em observação numa casa e saúde do Porto. Foram 40 dias de vigilância apertada, rigorosa. Mas regressei – daí como havia entrado para lá.
Passava meia hora. A enferma estava visivelmente fatigada. Despedimo-nos, fazendo votos pelas suas melhoras. Sorrindo, ela agradeceu-nos.

Passemos à conclusão:

A despeito da normal perda de peso, (a Alexandrina) conserva uma frescura e resistência impressionantes. Finalmente, oferece o aspecto dum caso que a Medicina sabe em grande parte explicar, mas não deixa contudo de patentear alguns pormenores que, pela sua importância de ordem biológica, tais a duração da abstinência de líquidos e anúria, impõem uma suspensão, aguardando que uma explicação clara faça a necessária luz.
A ciência não é definitiva, como se vê. O que é incontroverso é o facto da doente viver há anos – sem levar à boca nem alimentos nem bebidas.

Na semana seguinte, o Dr. Dias de Azevedo publicou, no mesmo jornal e sob o mesmo título, um longo esclarecimento à mencionada reportagem.

Nas bocas do mundo

Se aos amigos mais chegados da Alexandrina não restavam dúvidas sobre o seu jejum, agora ouviam a palavra pública do seu médico assistente, garantida pela competência do conceituado director do Refúgio da Paralisia Infantil, Dr. Gomes de Araújo.
O ano de 1953 foi fértil em notícias onde o tema do jejum quase sempre aparece: saíram no Jornal de Notícias, por várias vezes, n’O Gaiato (desfavorável), no Diário do Norte (pelo menos quatro vezes, a favor) e no Jornal do Médico, onde um artigo do vilacondense Dr. Joaquim Pacheco Neves desencadeia um polémica com o Dr. Dias de Azevedo.

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